A maioria dos tutores de gatos já ouviu falar da lipidose hepática, e eu não sou exceção. Sempre soube da sua gravidade e o que poderia causá-la e, ainda assim, não escapei dela, vivendo em nível máximo de sofrimento a plenitude das suas complicações.
Para os que não sabem, a lipidose hepática é uma doença do fígado, na qual há um acúmulo de gordura e consequente mau funcionamento do órgão. Ela pode ocorrer quando o gato fica sem se alimentar, ou diminui significativamente a quantidade de comida ingerida. É uma condição bastante severa e relativamente comum em gatos. Requer tratamento imediato, podendo causar diversas complicações, levando, inclusive, à morte.
Pois bem! Em agosto de 2012, a Bruxinha teve um grave quadro de lipidose hepática em decorrência de uma pancreatite aguda, que não deu sinais iniciais claros e acabou sendo diagnosticada apenas durante o tratamento da lipidose.
Embora a gata não tenha deixado de alimentar-se, ela certamente diminuiu a quantidade de comida ingerida, sem que eu percebesse. Após alguns dias com comportamento diferente, ela ficou ictérica e o diagnóstico foi fechado com exames de sangue e uma ultrassonografia abdominal. O tratamento foi iniciado imediatamente, mas a alimentação com seringa mostrou-se um desafio, devido a seu mau comportamento mediante a manipulação. Dessa forma, optamos por colocar uma sonda de alimentação esofágica, também conhecida por tubo de alimentação.
Gata medicada e alimentada, então tudo deveria ficar melhor, certo? Errado. Ela passou a começou a salivar intensamente, a vomitar, e a ter diarreia. Pensamos que fosse por causa do tubo, já que alguns gatos podem piorar durante um curto período após a sua colocação, mas não era: a Bruxinha tinha desenvolvido síndrome de realimentação. Como assim? Eu nunca nem tinha ouvido falar nisso.
Sabe-se que “a síndrome de realimentação foi inicialmente descrita em prisioneiros de guerra, após a Segunda Guerra Mundial. Depois um longo período de jejum, esses prisioneiros pareceriam ter uma insuficiência cardíaca precipitada, quando voltavam a se alimentar. Em humanos, acredita-se que a síndrome é usualmente desenvolvida após 4 dias da reintrodução de alimentos”.[1]
A síndrome pode ocorrer após qualquer tipo de reintrodução alimentar: entérica, parenteral ou oral.[2]
Quem me conhece sabe que sou neurótica por controlar o nível do fósforo em gatos com Doença Renal Crônica (DRC), que costumam ter o seu nível elevado (hiperfosfatemia), e o veterinário já tinha me explicado que um nível de fósforo baixo (hipofosfatemia) seria má notícia, mas eu não poderia imaginar o quanto. A síndrome de realimentação provocou um desequilíbrio nos eletrólitos da Bruxinha, baixando perigosamente os níveis de fósforo e potássio, além de outras alterações. Ela foi internada em estado considerado crítico e as reposições necessárias foram iniciadas imediatamente, mas eu fui alertada sobre a gravidade do caso e que ela precisaria de uma transfusão de sangue imediatamente.
Lembro-me que era uma sexta-feira com trânsito especialmente caótico em São Paulo, entre outros motivos porque um homem tinha subido em uma das torres de aproximação do Aeroporto de Congonhas[3], provocando a interdição do Aeroporto e de avenidas importantes, que ficam ao lado do hospital. Devido ao horário de funcionamento do laboratório, as veterinárias do hospital acharam que eu não conseguiria voltar com o doador em tempo de testar a compatibilidade, mas, fazendo caminhos alternativos, eu consegui ir até o ABC, onde moro, e voltar para o hospital com o Mingau e a Chouchoute, os possíveis doadores – o Mingau foi escolhido –, em aproximadamente 1 hora. Nem eu acreditei.
Além do descontrole metabólico, a pressão arterial e a albumina ficaram perigosamente baixas, e o baixo nível de albumina provocou efusão pleural , fazendo que ela precisasse ficar no oxigênio
Após alguns dias de internação, ela respondeu ao tratamento e teve alta por estar muito estressada.
Desta vez correu tudo bem, certo? Claro que não! Para resumir a quase tragédia grega, a Bruxinha teve pneumonia aspirativa e também descobrimos que a sonda de alimentação precisava ser reposicionada, pois estava um pouco longa, sendo uma das causas de ela estar com a respiração alterada e da sua salivação.
Com o tubo reposicionado e a pneumonia controlada, ela, finalmente, começou a mostrar sinais consistentes de melhora. Depois disso, para valorizar o progresso, arrancou o tubo de alimentação repetidas vezes, até que, quando estava realmente melhor, eu desisti de recolocá-lo.
O momento exato de retirar a sonda não é uma decisão fácil, porque precisamos ter certeza de que o gato está se alimentando com a quantidade necessária. Como a Bruxinha arrancou o tubo diversas vezes, acabamos antecipando um pouco a decisão, mantendo o acompanhamento diário do seu ganho de peso.
Essa foi uma das situações mais difíceis e estressantes com que tive que lidar, por envolver diversas condições graves ocorrendo simultaneamente com uma gata avessa à manipulação.
Felizmente, o acompanhamento por excelentes profissionais, que trabalharam em conjunto, permitiu um desfecho com final feliz.
Sites pesquisados:
http://www.petmd.com/cat/conditions/digestive/c_ct_hepatic_lipidosis
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21719333
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC390152/
https://s3.amazonaws.com/assets.prod.vetlearn.com/mmah/bb/7506daecc94dd79f76cf29cb60b931/fileSOC_10_04_6.pdf
http://www.revistanutrire.org.br/articles/view/id/4fa9511c1ef1fa6043000000
http://www.nutricaoemfoco.com.br/NetManager/documentos/sindrome_de_realimentacao.pdf
[1] http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC390152/
[2] https://s3.amazonaws.com/assets.prod.vetlearn.com/mmah/bb/7506daecc94dd79f76cf29cb60b931/fileSOC_10_04_6.pdf
[3] http://www.estadao.com.br/noticias/geral,apos-resgate-pousos-sao-liberados-em-congonhas,914739
Olá,
Estou passando quase o mesmo com meu gato. Ele foi diagnosticado com pancreatite aguda, ficou 5 dias internados e hoje recebe alta com a sonda esofágica para suplementar a alimentação. Gostaria de saber, hoje, após quase três meses do ocorrido com a bruxinha qual a situação dela? Ela está se alimentando bem sem a sonda? Obrigada pelo post
Olá, Juliana. Na verdade, a Bruxinha teve a lipidose hepática em 2012 e foram alguns meses até que ela se recuperasse totalmente. Depois disso, ela voltou a alimentar-se normalmente e recuperou o peso anterior. A pancreatite pode ser uma doença complicada e traiçoeira. Nunca fique na dúvida quando suspeitar de qualquer alteração no comportamento do gato para evitar que ele tenha uma recaída. Se suspeitar de algo, converse com o veterinário. Desejo que ele se recupere logo.