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Entrevista com o Prof. Dr. Archivaldo Reche Junior

Sarcoma vacinal, ou sarcoma no local de aplicação, em gatos

Muitas pessoas costumam ter dúvidas em relação ao sarcoma no local de aplicação, anteriormente conhecido como sarcoma vacinal, ou ainda, fibrossarcoma. Para tentar elucidar essas dúvidas, eu entrevistei o Dr. Archivaldo Reche Junior, médico-veterinário especialista em felinos, chefe da equipe de Medicina Felina da VetMasters (www.vetmasters.com.br) e professor Doutor da Universidade de São Paulo (USP).

Valdo
Dr. Archivaldo Reche Junior

Gato Integral: Eu gostaria de começar a nossa entrevista com uma dúvida a respeito da reação a vacinas, o chamado sarcoma vacinal, ou fibrossarcoma. Por que essa reação acontece? Há como evitá-la? Só há esse tipo de reação?

Dr. Archivaldo: O sarcoma vacinal ou sarcoma no local de aplicação, como é chamado atualmente, é um tumor que se desenvolve no local da aplicação da vacina ou outro fármaco. É um tumor maligno e cuja agressividade ou malignidade pode variar, mas sua evolução clínica acaba sendo bastante desfavorável para o gato doente. Não sabemos ao certo o mecanismo que precipita o desenvolvimento desses tumores, existe um fator genético e um fator iatrogênico – que corresponde à reação inflamatória exuberante que o gato apresenta no local da aplicação da vacina ou medicamento. Portanto, vacinas ou fármacos que determinam inflamação no local de aplicação são, potencialmente, mais indutores desse tipo de tumor. A prevenção do sarcoma se baseia no uso racional e limitado de medicamentos e/ou vacinas, uma vez que o fator genético não pode ser alterado.
Deve-se ressaltar também que, muitas vezes, a aplicação de uma vacina ou medicamento gera uma inflamação local e um granuloma (pequeno nódulo inflamatório no local da aplicação). Esse tipo de reação é comum e sua resolução é espontânea, em cerca de 30 dias o granuloma inflamatório pós-aplicação já deve ter desaparecido.

Gato Integral: Quais vacinas são mais propensas a desencadear o sarcoma vacinal?

Dr. Archivaldo: A maior parte dos estudos epidemiológicos sobre o sarcoma no local de aplicação em gatos mostra que as vacinas com adjuvantes são as mais incriminadas no desenvolvimento dessa neoplasia, p.e. vacina quíntupla e antirrábica.

Gato Integral: Injeções de outros medicamentos podem provocar a mesma reação levando ao desenvolvimento do fibrosarcoma? Quais seriam esses medicamentos?

Dr. Archivaldo: Sim, qualquer medicamento injetável pode desencadear o aparecimento do sarcoma. Existem relatos de gatos que desenvolveram sarcoma no local de aplicação de insulina, antibióticos, antiinflamatórios e, até mesmo, no local de implantação de microship.

Gato Integral: Comparativamente às vacinas, com que frequência outros medicamentos podem provocar o sarcoma?

Dr. Archivaldo: Não existe nenhum estudo que compare o risco da ocorrência dos diferentes agentes indutores do sarcoma em gatos, no entanto, entre as vacinas, a quíntupla induz um risco 5,5 x maior do sarcoma do que uma tríplice ou quádrupla. Em relação à antirrábica, o risco é duas vezes maior, quando comparada a outras vacinas.

Gato Integral: Existem fatores de risco individuais que tornam alguns gatos mais propensos a desenvolver o sarcoma no local de aplicação?

Dr. Archivaldo: Sim, o fator genético. Em medicina veterinária ainda não temos exames, empregados na rotina, capazes de detectar esses genes que aumentam a predisposição do gato ao desenvolvimento do sarcoma, no entanto, experimentalmente tais genes já foram identificados.

Gato Integral: Quanto tempo depois da aplicação da vacina ou da injeção o sarcoma pode se desenvolver?

Dr. Archivaldo: Isso é bastante variável, mas os relatos indicam que o sarcoma no local de aplicação pode surgir desde 3 meses até 10 anos após a aplicação da vacina ou do fármaco.

Gato Integral: O que observar para saber se o gato tem o sarcoma vacinal?

Dr. Archivaldo: O proprietário deve estar atento a qualquer nódulo que se desenvolva na região do subcutâneo (região abaixo da pele), por menor que seja. Buscar auxílio do médico-veterinário e autorizar a investigação laboratorial desse nódulo. A detecção precoce do sarcoma pode representar a cura ou ganho significativo na expectativa de vida do gato.

Gato Integral: Como é feito o diagnóstico?

Dr. Archivaldo: A investigação começa sempre pelo exame citológico do nódulo detectado. Esse é um exame simples, não invasivo e que define o diagnóstico em 80% das vezes. Caso haja alguma dúvida, existe a possibilidade da biópsia e análise histológica do tumor.

Gato Integral: Quais os tratamentos indicados uma vez que seja feito o diagnóstico?

Dr. Archivaldo: A escolha do tratamento está na dependência de muitos fatores, como idade do gato, condição clínica, tamanho e grau de malignidade do tumor. O clínico deve estar atento às necessidades individuais de cada paciente. A forma mais importante de tratamento de um sarcoma é a cirurgia. A remoção cirúrgica do sarcoma deve ser realizada, sempre que possível, e com margens de segurança. Isso garantirá, pelo menos, um bom ganho na expectativa de vida para esse paciente. Alguns pacientes podem ainda se beneficiar do tratamento quimioterápico, quando o patologista identificar que o grau de malignidade do tumor é grande e/ou quando há comprometimento das margens cirúrgicas – isso acontece no caso do tumor ser muito grande e a cirurgia não ter sido suficiente para remoção de toda a área tumoral – por isso, quanto menor for o tumor, maior a possibilidade de sucesso na abordagem cirúrgica.
A maior parte dos gatos com sarcoma necessitará de múltiplas intervenções cirúrgicas por conta da alta taxa de recidiva do sarcoma.
Outra opção de tratamento é a radioterapia, mas nem sempre teremos essa alternativa terapêutica à disposição do paciente veterinário.
Além do tratamento convencional, direcionado ao tumor, muitos pacientes precisam de medicamentos para controle da dor, por isso, cada gato deve ser criteriosamente avaliado pelo clínico para que se estabeleça a melhor conduta terapêutica para sua condição.

Gato Integral: Qual o prognóstico para gatos diagnosticados com sarcoma vacinal?

Dr. Archivaldo: Depende do grau de malignidade do sarcoma e do seu tamanho. Quanto menor o tumor, maior será o ganho na expectativa de vida. O proprietário deve ser informado de que a possibilidade de reaparecimento do tumor é grande, mas muitos gatos sobrevivem de dois a quatro anos após a primeira intervenção cirúrgica.

Gato Integral: Qual a prevalência do sarcoma vacinal em gatos?

Dr. Archivado: Não existe consenso em relação à prevalência do sarcoma em gatos. Alguns estudos mostram que 1 em cada 1000 gatos vacinados podem desenvolver sarcoma e outros estudos que 1 em cada 10.000 gatos vacinados.

Gato Integral: Mesmo com esse risco, os gatos devem ser vacinados?

Dr. Archivaldo: A decisão de vacinar ou não o gato deve ser determinada baseando-se em alguns critérios, como estilo de vida do gato – confinado ou de vida livre. Os gatos confinados são menos expostos às doenças infecciosas do que os gatos de vida livre. A área onde o gato vive, é uma região endêmica para doenças infecciosas, passíveis de proteção com as vacinas? Um exemplo típico é a vacinação contra raiva. Muitos colegas veterinários já não preconizam mais a vacinação do gato contra a raiva, por julgarem a doença erradicada, o que pode ser um erro. O principal vetor da raiva, hoje, é o morcego, que está invadindo zonas urbanas e expondo cães, gatos e humanos ao vírus da raiva. Portanto, a raiva voltou a ser uma preocupação e a vacinação uma necessidade.

Gato Integral: Com que frequência os gatos devem ser vacinados?

Dr. Archivaldo: a frequência de vacinação deve ser determinada pelo clínico veterinário que deverá avaliar o grau de risco às doenças infecciosas, protegidas por vacinas, às quais o gato está exposto. Não existe mais um padrão de vacinação que se aplique a todos os gatos, a frequência pode ser variável.

Gato Integral: Gatos já diagnosticados com sarcoma vacinal devem continuar recebendo vacinas?

Dr. Archivaldo: não, esses gatos raramente voltam a receber vacinas, a não ser, que o risco de contrair alguma das doenças infecciosas protegidas pela vacina seja grande, por isso a avaliação deve ser individual e não padronizada.

Gato Integral: Como você vê a recomendação de alguns estudos para a aplicação de vacinas nas patas traseiras ou na cauda, como forma de criar condições mais apropriadas para a remoção de um eventual tumor.

Dr. Archivaldo: esse tipo de conduta visa facilitar a abordagem cirúrgica, num eventual caso de desenvolvimento da neoplasia, nesse sentido, é totalmente válido. No entanto, alguns proprietários acreditam que a vacinação nesses pontos teria a finalidade de evitar o sarcoma, isso não é verdadeiro.

Gato Integral: O que deve ser considerado na análise da relação custo-benefício de vacinar um gato?

Dr. Archivaldo: como mencionado anteriormente, vacinar ou não o gato deve ser definido pelo risco ou exposição do mesmo a qualquer um dos agentes infecciosos que existe proteção vacinal. Os gatos que vivem integralmente confinados e não são expostos a qualquer risco, posso até não optar pela vacinação, mas devo alertar esse proprietário que, em caso de mudança de estilo de vida, a vacinação deve ser considerada.

Gato Integral: Há como prevenir o sarcoma a partir da aplicação de outros medicamentos?

Dr. Archivaldo: infelizmente não existe essa possibilidade, pelo menos não até o presente momento.

admin

Informações biográficas sobre o autor.

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6 comentários

  1. Mirian de Meneses Costa diz:

    Excelente entrevista !

    1. Gato Integral diz:

      Muito obrigada, Mirian!

  2. Isabella diz:

    Vacinei meu gato de 4 meses com a antirrabica tem quase duas semanas e há 4 dias mais ou menos notei um caroço duro, mais ou menos do tamanho de uma ervilha, indolor no local da aplicação. Estou morrendo de medo, pode ser sarcoma vacinal?

    1. Gato Integral diz:

      Olá, Isabella. Pode ser só uma inflamação, mas você precisa conversar com o seu veterinário para que ele faça uma avaliação do nódulo. Como o dr Valdo disse na entrevista: “O proprietário deve estar atento a qualquer nódulo que se desenvolva na região do subcutâneo (região abaixo da pele), por menor que seja. Buscar auxílio do médico-veterinário e autorizar a investigação laboratorial desse nódulo. A detecção precoce do sarcoma pode representar a cura ou ganho significativo na expectativa de vida do gato.”

      Não fique na dúvida, procure o veterinário. Boa sorte!

  3. GISELLE CRISTY LADEIRA diz:

    Entrevista muito elucidativa. Infelizmente minha gata de 8 anos morreu há uma semana por causa desse fibrossarcoma, mesmo após cirurgia e radioterapia. Houve metástase para o pulmão. Não vou mais vacinar meus outros 4 gatos. Vivem bem e protegidos no apto. Difícil.

    1. Gato Integral diz:

      Olá, Giselle. Eu peço desculpas por não responder antes, mas estou com problemas pessoas e fiquei algum tempo sem conseguir acessar o blog. Eu sinto muito pela sua gata. É uma situação bem difícil e frustrante. A minha gata Matilda também teve metástase no pulmão no fim da doença. A vacinação é importante, principalmente, se considerarmos que os casos de raiva têm se tornado mais frequentes. Entretanto, o protocolo adotado deve avaliar o estilo de vida de cada gato e os riscos a que estão expostos.

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